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A Cantora e o Poeta

 


A moça desce do palco após se apresentar. Vai ao bar e pede uma dose dupla de whisky.

O rapaz a seu lado dá-lhe um tímido sorriso.

-Ouvi você cantar. Bela voz. Soa como o sol de pondo.

-Obrigada, eu acho.

-Eu admiro tanto quem tem talento para as artes.

-Ora, olhe para você! Pela forma que fala, imagino que deva ter talento também.

-Não moça, eu só escrevo…

-Escrever é uma arte!

-Rabiscar angústias num pedaço de guardanapo? Arte é o que a sua voz nos faz sentir.

-Entoar palavras ao vento? Ao menos você escreve teus sentimentos, eu canto dores de outras pessoas, não as minhas próprias…

-Não subestime seus dons. Ao interpretar tão divinamente a dor de outro, torna essa dor também um pouco tua e de quem mais a ouve. Estive aqui há alguns minutos em prantos pela perda de um amor que nunca nem vivi.

-Então meu talento não é musical, meu dom é para iludir quem me ouve?

-Tens um ponto. Somos dois a iludir. Quem lê meus textos tende a crer em sentimentos que nunca existiram.

-Mas e se existirem?

-Não entendo…

-Você escreve o que sente, e mesmo quando não sente, escreve como se sentisse. Sua alma, ou parte dela, ao menos, anseia por aquilo e acredito que comigo ocorre o mesmo.

-Então, como diz o poeta, somos fingidores?

-Fingimos tanto que passamos a sentir…

-Perdemos o controle da mentira e acabamos por iludir nós mesmos… Isso nos torna péssimos artistas, não?

-Acho que bons artistas, no fundo, são péssimos em seus ofícios. Caem em suas próprias armadilhas.

-Um brinde a nós.


(Luíza Gallagher)

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