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Anna e o Espelho



Anna estava mais uma vez trancada em seu quarto sozinha, ali diante do espelho pensava: "O que há de errado comigo?". Anna sempre se sentia sozinha, era tímida, coitada. "Talvez o problema seja a timidez, as pessoas não gostam de mim por ser tímida!"
Deitou na cama e caiu no sono, satisfeita por detectar seu defeito. No dia seguinte se esforçou, sorriu para todos, desejou bom dia, estava disposta  à largar a maldita timidez. Nada adiantou, as pessoas ainda se mantinham longe da pobre menina.
Com lágrimas nos olhos o reflexo de Anna a encarava do outro lado do espelho: "Por quê?", ela perguntava entre soluços.
Anna cresceu sozinha, por toda sua vida todos estavam demasiadamente ocupados para se darem conta dela. Na escola era aquela quieta no fundo, se faltava aula ninguém percebia. Passava seu tempo encolhida no canto, não adquiriu o talento para socializar. Excluída, era sempre a última a ser escolhida para o time de educação física, quando cansava era só sair da quadra que ninguém notava.
A menina chegou a passar algum tempo acreditando que era invisível, "Sim, só podia ser, está então explicado, ninguém é capaz de me ver!". É claro que essa teoria se desfez depois de alguns meses.
Apesar de distante, Anna tinha muito apego por todos, ela desenvolveu uma estranha carência que era saciada ao observar as pessoas ao redor. A menina podia nunca falar com ninguém e ainda assim gostar, se apegar ou odiar os outros. 
É claro que ao longo do tempo Anna conheceu pessoas, é claro que trocou algumas palavras e viveu momentos normais. Mas no fim, todos sempre a largavam, e lá ia Anna chorar em frente ao espelho. "São meus olhos, eles são castanhos... Se fossem azuis talvez as pessoas não me abandonariam!", mais uma vez Anna inventava uma desculpa qualquer para explicar sua solidão.
No dia seguinte ao se olhar de perto ela perceberia que a culpa não eram dos olhos, não, pessoas de olhos castanhos têm amigos. Talvez a culpa seja da pouca altura, sim, tão baixinha que passava despercebida... Quem sabe a culpa seja do nariz, nossa como ele é estranho! Não, não, com certeza do cabelo, onde já se viu alguém ter amigos com esse cabelo desgrenhado?
Entre uma desculpa e outra Anna sofria sem saber o porquê das pessoas sempre irem embora. Começou a achar que ela era chata, ou gorda, talvez muito magra, ou sem graça, com certeza era desinteressante.
Hoje, mais uma vez, lá estava Anna em frente ao espelho. Diferente das outras vezes, seu reflexo sorriu, a menina olhou atônita, "Um sorriso?". O reflexo então lhe disse: "Ora pequena, não há nada de errado contigo, as pessoas é que são defeituosas. Te abandonam por um erro delas. Olhe só o mundo menina, uns passando por cima dos outros, levando vidas fúteis e sem nenhum sentido. Sabe como são as pessoas, bom, elas... São humanas demais, nasceram todos com defeito de fábrica, engrenagens enferrujadas. Um pouco de óleo e pronto, um dia estarão consertados. Agora enxugue essas lágrimas, você nunca será perfeita e nem ninguém será. Viva a tua vida menina, algumas poucas pessoas te cativarão e mesmo imersas em defeitos bastarão para te alegrar. Felicidade de verdade você só encontrará aí no teu peito, o resto... ah, é só o resto pequena."
Naquela noite, Anna dormiu feliz, afinal, o problema não era com ela. Anna não sabia, mas o que o espelho lhe confidenciou é aquilo que as pessoas descobrem só depois de muitos anos e de muito dinheiro gasto em terapia. Anna aos 10 anos aprendeu a ser feliz, mesmo que sozinha.

(Luíza Gallagher)

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